terça-feira, junho 24

A Tripla de Stephen Roche contada por John Pierce.


Mais uma vez trago aqui um artigo de John Pierce / PhotoSport International que gentilmente me deixou traduzir o seu texto com as suas fotos:


Eu estive lá.

Acompanhando durante muitos anos na década de 1970 como fotógrafo do Raleigh na Volta à Irlanda, eu fiquei amigo de muitos organizadores e corredores irlandeses. Na época de 1979 um dos organizadores da Volta à Irlanda – Noel Hammond convidou-me para ir à sua casa em Dublin. Foi lá que Stephen Roche, o vencedor desse ano da corrida Ras Tailteann mostrou-me uma curta mensagem da AC-BB France, assinado por Mickey Wiegants. A carta convidava-o a ingressar num clube de um subúrbio a oeste de Paris, estranhamente vinha directo do presidente do clube, no Sul de França.



Aqui fica uma breve história sobre a nossa conversa, ele tinha sido convidado para ingressar num clube francês que aceitava corredores que falavam inglês. A lista de corredores que ingressaram nessa equipa francesa é invejável e incluía corredores da minha equipa, por isso estava confiante. Eu perguntei ao jovem Roche de 20 anos algumas questões directas, relativas à casa, trabalho, curso de línguas e claro, namoradas.

Nessa altura as condições eram favoráveis para se viver no estrangeiro por algum tempo. Ele estava no fim de um curso para melhorar a perfomance de um carro a gasolina. Decidimos que devia acabar primeiro esse curso para ter alguma garantia sem ser o ciclismo. Durante o inverno seguinte ele iria ter aulas de francês e depois deveria-se preparar para um brilharete em França.

Ele foi para Paris encontrar-se com Claude Escalon, o manager da AC-BB. Escalon foi um exigente mestre, nos treinos pontuava os seus corredores não só por andarem na frente, mas também quando estes eram esforçados. Roche tinha um raro talento como corredor, ele simplesmente “flutuava” tal era o seu suave pedalar e raramente lutava contra a bicicleta. Na sua primeira época na AC-BB em 1980 foi bem sucedido ao vencer o Paris Roubaix para amadores. Tornou-se professional pela Peugeot, um patrocinador da AC-BB ganhando 10 corridas em 1981 incluíndo o Paris-Nice.


Passo alguns anos até 1987 onde obteve a maravilhosa Tripla, tornando-se apenas no segundo corredor de sempre, a vencer na mesma época: o Giro d’Itália, Tour de France e o Campeonato do Mundo.

A Volta à França foi um marco especial para mim. Primeiro porque começou no centro de Berlim, dois anos antes do Muro ter ido abaixo. Foi também o meu 21º Tour, um momento não esquecido pelo então proprietário do Tour, Jacques Goddet que fez uma apresentação pessoal para mim. No seu discurso ele falou sobre como ele foi educado na Inglaterra onde o Cricket e o Futebol são mais importantes que o ciclismo. Que eu fui o primeiro a tirar imagens sobre este bonito desporto fora de França. Também foi notado por ele que o líder da corrida foi uma pessoa que falava inglês, e assim partilhavam o mesmo caminho.

Houve alguns grandes momentos, mas dois acontecimentos foram a base da fantástica vitória de Roche na Volta à França. Alguns dizem tacticamente brilhante, outros diriam que ele procurou a sua própria sorte, eu pergunto se há diferença.



Na etapa da La Plagne ganha por Laurent Fignon, Pedro Delgado (Esp) estava de amarelo e em segundo da geral encontrava-se Roche, mas o irlandês não conseguia acompanhar Delgado nas subidas. Em vez de lutar para se manter em contacto, Roche “reagrupou-se” e definiu o seu próprio ritmo. Na subida de 15km, Roche perdeu 1min nos primeiros 5km – se a corrida continuasse assim seria o fim para ele. Então aconteceu uma coisa estranha, e foi realizada por Roche que fez toda a diferença.

Delgado ia recebendo as diferenças de tempo. (Pelas motos pois não havia rádios em 1987) e diziam-lhe que Roche estava a 1m e 40seg atrás, a corrida era praticamente dele pois Fignon que ia na frente não ameaçava a classificação geral. Na cabeça de Roche ele teria que superar-se para conter Delgado, foi então que a 5km da meta ele partiu para o maior esforço da história do Tour.

Nesta altura Delgado estaria a 4km da meta – já demasiado perto do final para receber avisos da moto sobre o paradeiro de Roche. Eu estava na faixa do último quilómetro a tirar fotos - escolhi um lugar para contar as diferenças de tempo, Stephen 40seg atrás de Delgado. Os 600 metros finais da La Plagne são falso plano, Roche alcançou o seu colega de equipa Denis Rous e ultrapassou-o. Então Roche mudou a corrente para a cramalheira maior e a sua bicicleta “parou”, Rous ultrapassou-o pensando “o que é que ele está a fazer?”. Foi aí que Roche recuperou a sua pedalada e sprintou passando por Rous pela segunda vez e enfiou-se no meio dos carros que seguiam Delgado. Menos de 8 segundos. Incrível.


Ainda outra etapa que vem à minha cabeça onde Roche demonstrou excelentes tácticas, ou simplesmente teve sorte. Em Morzine-Avoriaz uma etapa ganha por Chozas, Delgado era muito melhor trepador e teria que deixar Roche na subida do Joux Plane antes da descida em Morzine– ele não o fez, ou não conseguiu. No entanto, Roche sabia que nessa descida Delgado tinha tido um acidente no ano anterior, partindo a clavícula. Então quando chegou a altura dos 16kms longos e sinuosos, Roche atacou e Delgado ficou para trás. Roche desceu tão depressa que alcançou o carro vermelho dos Directores, um carro avançado que precede a luta pela Camisola Amarela. Isto nunca tinha acontecido antes no Tour de France e foi algo escandaloso – Roche vestiu a Amarela.



Roche era um enorme talento natural; para vencer o Giro de Itália foi ajudado na Careera pelo seu colega de equipa Eddy Schepers, e também em grande medida pelo seu amigo e antigo colega na AC-BB e na Peugeot, Robert Millar que venceu a classificação da montanha nesse Giro. Schepers esteve depois com ele em França como também esteve Sean Kelly. Este último sacrificou as suas próprias chances no último quilómetro do Campeonato do Mundo em Villach, pois Roche atacou para a vitória roubando a Kelly ou Moreno Argentin uma vitória certa. Seria prudente referir que estes desempenhos foram obtidos quando a EPO ainda não existia.



John Pierce
:
Cobriu 41 edições do Tour de France.

Nenhum comentário: